Aquela chave estava me esperando há muito tempo. 314 seria o meu endereço por um ano. Já morei na 410 norte, bloco L - de luxuria - apartamento 308 por grande momentos e agora estaria confinado em nove metros quadrados em busca de mais uma cicatriz, outra experiência. Foram quase três anos viajando e será mais um na pequena cidade de Lannion. Talvez seja a numerologia, já não duvido de mais nada. Será o último ano? Fechamos em quatro? Longe de casa e perto do mundo. A vida parece ser uma seqüência de planos, certos e errados, bailando até o precipício da saudade.
Entre tantas esquinas, eu cheguei até aqui. Um projeto que nasceu de uma conversa de boteco, de um fogo que me exige liberdade e indigência ou de um simples medo da morte. De um mero fim sem poder contar histórias. Falo pouco, beijo menos ainda... Eu quero marcas na alma, comida com sabor e sorrisos coloridos.
Estou feliz por finalmente ter um lugar com meu cheiro. Ainda que pequeno e estudante, ele tem uma cafeteira branca ao lado da janela. A cozinha não fica distante e os perfumes internacionais de carne frita me inebriam pelo corredor. Aquela morena do Gabão só podia ser gordinha mesmo...
O despertador me deixa dormir tranqüilo. Relutei em comprar um celular na primeira semana mas foi só preguiça. Agora meu sonhos duram até a nave aportar trazendo a rádio diária. Bom dia Vietnam! FranceInter é a minha companheira de todas manhãs, sempre de mal hálito. Como um bom guardião da verdade e do amor, vulgo aspirante à jornalista, eu ouço as notícias matinais.
Hora de encarar o convívio social e as práticas civilizadas. Meus coleguinhas estão sempre a fumar e contar historinhas de suas vidas. Bonjour... E eu, sempre o estranho. Estrangeiro. Professo uma misantropia elegante. A língua ainda é uma grande barreira e estou perdendo a minha magra paciência para conversas sobre o clima, sobre o Kaka e o Ronaldinho, sobre o fim-do-mundo... Assim, tomo meu tempo para saber qual será o coleguinha menos fascista para chamar de amigo.
A pontualidade nos leva até as salas luxuosas. As cadeiras são duras e as mesas estão bambas. Mesmo assim, computadores em forma de maçã estão por toda parte, uma abundancia de país rico.
As aulas começam as 9 da manhã e vão até as 18:00 com uma pausa para comer uma salada,um pãozinho, um prato principal, uma sobremesa, um café e um cigarro. Tudo em porções homeopáticas.
A imprensa francesa tem lá a sua cara. Os jornais regionais são os lideres do mercado e conseguem forjar uma identidade. Nesse moedor, eu entro mês que vem. Fui aceito pelo Jornal Le Télégramme por um período de 12 semanas, parte do currículo do curso. Dessa vez foi a o endereço do jornal que me ajudou: pela terceira vez vou trabalhar em frente à água; o rio Léguer vai dar no canal da mancha. Em Vancouver foi o Pacífico, em Londres foi o Tamisa. Agora só preciso de uma bicicleta e três toneladas de coragem para entrar na redação e virar jornalista. Aqui é aroeira, pica-pau!
Há cinco anos eu começava a UnB. Não li a metade dos livros que estavam na listinha encardida nem aproveitei todo aquele gramado e suas goiabas. Um tempo de incertezas que se perdiam nas bolhas dos sonhos. Amores e filosofias entre quadras e copos. Vou por entre becos e cartões postais sabendo que um dia eu volto para minha terra. Saudades.